Barbeiro, inseto que causa a doença |
Uma
fraqueza sem fim, mal estar, febre. Diante dos primeiros sintomas que poderiam
ser atribuídos a praticamente qualquer doença febril, o militar Manoel Santana
desconfiou da hepatite. Frente ao primeiro médico visitado, o diagnóstico
suspeitado por ele foi confirmado, porém, de forma equivocada. Sem a diminuição
dos sintomas mesmo com a medicação para hepatite, foi apenas diante de um
segundo profissional que Manoel teve conhecimento da verdadeira doença que
insistia em enfraquecer seu organismo. “O outro médico mandou eu fazer o exame
e constatou que era Doença de Chagas”.
Morador
do município de Abaetetuba, Manoel não é o único acometido pelo parasita
presente no organismo do inseto conhecido como barbeiro. Instalado em uma casa
de alvenaria na área urbana do município, o militar até hoje tenta se convencer
do meio pelo qual ele e o filho de 25 anos contraíram a doença. “Não sei de
onde contraí. O meu quintal é todo limpo, cuidadinho... acho que não tem
barbeiro”.
Apesar
da dúvida relacionada à presença do inseto na casa da família, a suspeita maior
é que a doença tenha sido adquirida não pela picada do inseto, mas pela forma
mais comum no estado brasileiro que soma a maior parte das pessoas contaminadas
com a doença: a transmissão oral. “A gente toma açaí todos os dias. Não pode
faltar”, revela, mesmo com certa resistência em acreditar que a contaminação
possa ocorrer pela não higienização correta do fruto consumido no município.
“Tem dois lugares que batem açaí que todo mundo diz que são os mais corretos
[na higienização do fruto]. Depois que eu descobri que tinha Doença de Chagas,
eu só compro lá”.
Responsável
por mais de 80% dos casos de Doença de Chagas no Brasil, o Estado do Pará é o
campeão em incidência no país, mas o quadro pode ser ainda pior. Com a
notificação de 146 casos apenas no ano de 2012, a estimativa é que para cada
caso de Doença de Chagas registrado existam mais dez que ainda não foram
descobertos. Apesar do impacto que os dados divulgados pela Secretaria de
Estado de Saúde Pública (Sespa) causem, para a coordenadora estadual de
Controle da Doença de Chagas, Elenild Góes, os números são menos alarmantes do
que parecem. “Esse dado [que aponta que 80% dos casos serem registrados no
Pará] é importante, mas não chega a ser alarmante porque nós somos o único estado
na região amazônica que tem um programa de Doença de Chagas que funciona, que
trabalha a assistência, que trabalha a vigilância do barbeiro, que trabalha a
vigilância epidemiológica”, afirma. “É um pensamento errado você imaginar que
fazendo essas ações de controle da doença a gente vai ter menos casos. Na
verdade, fazendo isso, a gente identifica os casos que antes não seriam
percebidos. Esse número deve aumentar ainda”.
Destacada
sempre em primeiro lugar no ranking dos municípios paraenses que notificaram
mais casos da doença, com 21 notificações no ano passado, Belém perdeu o posto
para a cidade natal de Manoel, Abaetetuba, onde os casos da doença já chegam a
62 no mesmo período. Para a coordenadora, os altos registros no município
também são atribuídos ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelo programa
desde 2006, quando foi criado. “Geralmente, nos perguntam se o Estado vai fazer
alguma coisa diferente lá, já que Abaetetuba está com um número grande de
casos. Não é necessário. Abaetetuba consegue diagnosticar muito bem os casos de
Chagas, faz uma excelente investigação, tem uma equipe que consegue identificar
os casos e fechar batedores irregulares”, afirma. “Atualmente, nós temos três
bairros em Abaetetuba com casos, mas, ao mesmo tempo, isso é fruto de um
trabalho, de uma coordenação que funciona muito bem”.
Açaí
– Em uma rápida andada por Abaetetuba, não é difícil entender um dos motivos
que influenciam o grande número de casos. Logo com os primeiros raios do sol, a
movimentação na feira, à beira do Rio Maratauíra, já é intensa. De uma das
muitas casas de madeira que estampam em sua fachada a placa vermelha
característica dos pontos de venda do fruto, o líquido espesso ganha um aspecto
diferente. Presente em muitas cuias dos que às 7h já consumiam a bebida quente,
a primeira dose de açaí do dia vinha através do mingau. “O açaí é muito
consumido. Se não tiver açaí, tem abaetetubense que não almoça”, afirma a
vendedora de mingau de açaí, Joanete Macêdo. (Diario do Pará)
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