Desde os primeiros anos da década passada, têm-se discutido expressivamente o tão ovacionado Plano BR-163 Sustentável, uma idéia do governo federal que propõe o uso consciente e ecologicamente correto da rodovia, uma das mais importantes do ponto de vista do crescimento economico nesta parte da Amazônia.O Blog recebeu, do ex-secretário de Meio Ambiente e Produção de Itaituba e atual presidente da Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós uma reportagem que expõe, de forma bastante abrangente, a importância da BR-163, tanto para a atividade mineral quanto para as atividades agropastoris. É uma reportagem bastante ampla e, por consequência disso, estarei dividindo-a em uma série. A partir de hoje, você acompanha essa explanação e fica por conta da opinião pública o entendimento global da situação.
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Ivo Lubrinna não se conforma com o fato de seu candidato à reeleição
para a prefeitura de Itaituba – “mesmo com a máquina na mão” – ter
perdido o pleito realizado em outubro passado. Dono de uma voz grave e
de uma franqueza espantosa, ele sabe que os próximos anos serão bastante
movimentados no município de 100 mil habitantes que cresceu às margens
do rio Tapajós, no oeste do Pará.
Enquanto concede a entrevista, Lubrinna é vigiado silenciosamente
pelo filho, que acaba de voltar à Amazônia depois de nove anos na
capital da Inglaterra, onde comandava uma prestadora de serviços de
limpeza. Como a crise europeia não dá sinais de trégua, ele acha que é
possível ganhar até três vezes mais investindo em Itaituba.
Até o apagar das luzes de 2012, Lubrinna estará à frente da
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Produção. Porém, mesmo antes de
integrar a linha de frente do Executivo local, ele já era uma verdadeira
lenda, um dos garimpeiros mais conhecidos no Tapajós por conta dos mais
de 40 anos de ofício. Não à toa, Lubrinna é o presidente –
“licenciado”, como ele faz questão de ressalvar – da Associação dos
Mineradores de Ouro do Tapajós (AMOT), entidade que representa menos de
10% dos 50 mil garimpeiros da região.
Enquanto se afasta da carreira de homem público, Lubrinna já se
prepara para encarar a missão de homem de negócios, agora com a ajuda do
filho. Após concluir recentemente o licenciamento ambiental do único
garimpo que afirma possuir, e que segundo ele encontrava-se parado por
falta de regularização, vai retomar a procura do ouro.
“Eu fui irresponsável até o dia em que assumi o cargo na prefeitura.
Era um contrassenso: como é que o secretário de Meio Ambiente, com um
garimpo irregular, iria discutir com alguém?”, questiona. Agora, ele já
não corre atrás apenas do valioso metal. Cogita também investir em
terrenos para a instalação de empresas de logística e de maquinaria
pesada que, num horizonte bastante próximo, devem chegar à região.
Lubrinna encarna de forma pitoresca o nebuloso futuro de Itaituba.
Encravado no coração da Amazônia, o município é o epicentro de uma
avalanche de grandes empreendimentos que ameaçam seriamente uma região
de altíssima biodiversidade habitada por diversas comunidades
tradicionais e comunidades indígenas munduruku.
Quem toma um barco e navega pelos 850 quilômetros de águas
esverdeadas do Tapajós, que rasga de cima a baixo o oeste do Pará, não
raro se depara com botos e aves mergulhando, além de uma paisagem verde
de tirar o fôlego, protegida por um mosaico composto por reservas
florestais e terras indígenas.
Entretanto, um amplo leque de obras – que vão desde hidrelétricas,
passando por rodovia, hidrovia, portos fluviais, até projetos de
mineração – pode redesenhar em um curto espaço de tempo as feições desse
que é, reconhecidamente, um dos mais belos rios da Amazônia.
Sem sombra de dúvida, o projeto com potencial de gerar os impactos
sociais e ambientais mais preocupantes é o chamado Complexo Hidrelétrico
do Tapajós, um conjunto com potencial para até sete usinas que podem
gerar até 14 mil Megawatts (MW) – a mesma capacidade da faraônica usina
binacional de Itaipu, erguida durante a ditadura militar na fronteira do
Brasil com o Paraguai.
Os estudos de viabilidade conduzidos pela estatal Eletrobras para
licenciamento de duas delas – Jatobá e São Luiz do Tapajós – já estão em
andamento. Por enquanto, o custo para erguer as duas barragens é
estimado em R$ 23 bilhões. E o governo federal não esconde a pressa: já
no ano que vem espera licitar pelo menos a construção de São Luiz do
Tapajós e prevê que as duas entrarão em operação até 2019.
A energia dessas novas hidrelétricas tem pelo menos um endereço
certo: grandes projetos de exploração de minérios no Pará, como ouro e
bauxita – a matéria-prima do alumínio. A companhia norteamericana Alcoa,
por exemplo, iniciou há apenas três anos a operação da terceira maior
jazida de bauxita do mundo no município de Juruti, no extremo oeste do
Pará, e já tem planos de construir uma fábrica de beneficiamento – por
enquanto, a empresa utiliza energia de origem termelétrica. Já a
brasileira Votorantim está levantando uma indústria do mesmo tipo no
município de Rondon do Pará. A norueguesa Hydro também tira bauxita no
leste do estado.
No caso do ouro, só uma mineradora de médio porte, a canadense
Eldorado Gold, tem um projeto concreto de investimento no Tapajós. Mas a
própria AngloGold Ashanti, companhia sul-africana considerada uma das
maiores empresas de extração de ouro no mundo, também tem requerimentos
de pesquisa no oeste do Pará, região hoje tomada pelo garimpo manual –
em sua esmagadora maioria, clandestino.
Além de ser considerada a última grande fronteira energética e
mineral da Amazônia, a região banhada pelo rio Tapajós tem ainda outro
considerável atrativo econômico: é um corredor estratégico para o
escoamento da produção de soja colhida no Mato Grosso, o principal
produtor de grãos do país. Até 2014, o governo federal pretende gastar
R$ 2,85 bilhões para concluir o asfaltamento dos 1.739 quilômetros da BR
163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém – o maior município do oeste do
Pará, localizado na foz do Tapajós.
No rastro das hidrelétricas, também está prevista a construção de
eclusas que possibilitarão a integração do rio Teles Pires, no Mato
Grosso, com o rio Tapajós, no Pará. Além dessa hidrovia, o transporte
de
commodities por via fluvial também será impulsionado pela
instalação de ao menos três portos no município de Itaituba, além da
expansão das docas de Santarém. Ambientalistas e ativistas de movimentos
sociais preocupam-se com os impactos socioambientais que a explosão do
agronegócio pode trazer para o oeste do Pará.